A ultrassonografia é uma ferramenta essencial na medicina moderna devido à sua capacidade de fornecer imagens diagnósticas detalhadas de forma rápida e não invasiva. Além disso, o ultrassom é amplamente utilizado em emergências médicas (POCUS – Point-of-Care Ultrasound), permitindo uma avaliação direta à beira do leito, o que é vital em cenários críticos. Com características únicas, como a realização de exames seccionais e multiplanares em tempo real, o ultrassom facilita a execução de manobras clínicas e a orientação de procedimentos percutâneos. Então, vamos aprender os princípios básicos da ultrassonografia!
Embora o ultrassom tenha muitas vantagens, incluindo a ausência de radiação ionizante e a possibilidade de estudos hemodinâmicos por meio do Doppler, ele também apresenta algumas limitações, como a dificuldade de visualização em áreas protegidas por ossos ou interpostas por gases e a necessidade de um operador experiente. Este artigo explora os princípios físicos do ultrassom, discutindo as propriedades acústicas, os tipos de transdutores, a interação das ondas sonoras com os tecidos e os efeitos biológicos.
Princípios Físicos do Ultrassom
O que é o Ultrassom?
O ultrassom é uma onda mecânica com vibrações de frequência superior a 20 kHz, inaudíveis para o ouvido humano. Em exames ultrassonográficos, frequências entre 2 e 18 MHz são usadas para criar imagens detalhadas das estruturas internas do corpo. Essas ondas sonoras são geradas e recebidas por transdutores, que transformam energia elétrica em mecânica e vice-versa, utilizando o efeito piezoelétrico.
Propriedades Acústicas do Ultrassom
As propriedades acústicas determinam como as ondas ultrassônicas interagem com os tecidos do corpo, influenciando diretamente a qualidade e a interpretação das imagens:
- Impedância Acústica: Representa a resistência de um meio (tecido) à passagem do feixe sonoro, determinada pela densidade do meio e pela velocidade do som. Quando uma onda ultrassônica encontra uma interface entre dois meios de diferentes impedâncias, parte da onda é refletida, formando os ecos que são capturados para criar a imagem.
- Amplitude: Corresponde à intensidade da onda sonora, medida em decibéis. No contexto da ultrassonografia, a amplitude dos ecos refletidos se traduz no brilho das imagens na tela. Áreas hiperecóicas (alto brilho) indicam maior retorno do eco, enquanto áreas hipoecóicas ou anecóicas (baixo brilho) indicam menor retorno.
- Velocidade: A velocidade do som varia entre diferentes meios (340 m/s no ar, 1.200 m/s em líquidos, 4.000 m/s nos ossos), mas é calibrada para 1.540 m/s em tecidos moles nos equipamentos de ultrassom, permitindo calcular distâncias baseadas no tempo de retorno dos ecos.
- Frequência: Define o número de ciclos de onda por segundo. Ondas de alta frequência (acima de 10 MHz) proporcionam melhor resolução para estruturas superficiais, enquanto ondas de baixa frequência (abaixo de 5 MHz) penetram mais profundamente, mas com menor resolução.
Interação das Ondas Sonoras com o Meio
As ondas ultrassônicas sofrem diversas interações ao passarem pelos tecidos, afetando a qualidade das imagens:
- Atenuação: Enfraquecimento progressivo das ondas sonoras à medida que elas atravessam diferentes meios. A atenuação é influenciada pela densidade do meio, número de interfaces, e comprimento de onda. Ondas de alta frequência são mais facilmente atenuadas, limitando sua capacidade de penetrar profundamente nos tecidos.
- Absorção: Parte da energia das ondas sonoras é absorvida pelos tecidos, convertendo-se em calor. Essa absorção é um dos principais fatores de atenuação e varia conforme o tipo de tecido. Tecidos como o osso e o ar tendem a absorver mais energia, o que pode resultar em sombras acústicas e dificultar a visualização de estruturas subjacentes.
- Dispersão e Reflexão: Quando as ondas sonoras encontram interfaces pequenas ou irregulares, como gases, elas se dispersam. A reflexão ocorre quando as ondas são redirecionadas de volta à sua fonte ao encontrar interfaces entre meios com diferentes impedâncias acústicas. A quantidade de som refletido depende da diferença de impedância acústica entre os tecidos.
- Refração: Mudança na direção da onda sonora ao atravessar a fronteira de dois meios com diferentes velocidades de som. A refração pode distorcer a posição e o tamanho das estruturas nas imagens ultrassonográficas, sendo um fenômeno importante a ser considerado na interpretação dos resultados.
Tipos de Transdutores Ultrassonográficos
O transdutor é o componente do ultrassom que entra em contato direto com o paciente e é responsável por emitir e receber ondas sonoras. Existem diferentes tipos de transdutores, cada um adequado para aplicações específicas:
- Convexo: Usado para estudos de regiões profundas como o abdome. Tem um ângulo de abertura de até 80º e opera em frequências baixas (2 a 6 MHz), proporcionando um grande campo de visão. Este tipo de transdutor é ideal para exames abdominais, hepáticos, renais e ginecológicos, onde a profundidade é um fator crítico.
- Linear: Ideal para visualização de estruturas superficiais como a região cervical, vasos sanguíneos periféricos e tecidos moles. Devido ao seu formato retangular e uso de altas frequências (5 a 20 MHz), o transdutor linear oferece alta resolução para exames de partes moles e avaliação de estruturas superficiais.
- Setorial: Utilizado em exames cardiovasculares e intercostais, possui um pequeno ângulo de abertura (até 90º) e opera em frequências baixas (2 a 8 MHz). Este transdutor é especialmente útil para estudos cardíacos, onde o espaço entre as costelas é limitado e o feixe sonoro precisa ser direcionado em um ângulo específico.
- Convexo Endocavitário: Projetado para exames transvaginais e transretais, possui um grande ângulo de abertura (20 a 160º) e opera em frequências moderadas a altas (4 a 10 MHz). Este transdutor é essencial para avaliações ginecológicas e urológicas, fornecendo imagens detalhadas das estruturas pélvicas e reprodutivas.
Modos de Apresentação na Ultrassonografia
Os equipamentos de ultrassom podem processar os sinais refletidos para apresentar as imagens de diferentes maneiras:
- Modo A (Amplitude): Utilizado principalmente em oftalmologia, este modo representa a amplitude do eco em função da profundidade, permitindo a medição precisa de distâncias e tamanhos de estruturas oculares.
- Modo B (Brightness): O mais comum na prática diagnóstica, fornece uma imagem bidimensional em escala de cinza baseada na intensidade dos ecos refletidos. Este modo é usado para a maioria dos exames de ultrassom, incluindo abdominais, obstétricos, musculoesqueléticos e de tecidos moles.
- Modo M (Motion): Captura o movimento de estruturas ao longo do tempo, frequentemente utilizado em ecocardiografia para estudar a movimentação das válvulas cardíacas e das paredes do coração. Este modo é particularmente útil para avaliar a função cardíaca e a hemodinâmica em tempo real.
Instrumentação Básica em Ultrassonografia
A instrumentação básica para ultrassonografia inclui não apenas o transdutor, mas também os sistemas de controle e processamento de imagem. Equipamentos modernos são altamente sofisticados, oferecendo diversas funcionalidades que ajudam a melhorar a qualidade da imagem e a precisão diagnóstica:
- Controle de Ganho: Permite ajustar a amplificação do sinal recebido, compensando a atenuação das ondas sonoras à medida que penetram mais profundamente nos tecidos. O ajuste adequado do ganho é crucial para obter imagens claras e detalhadas.
- Foco Ajustável: Os equipamentos permitem ajustar a profundidade e o número de zonas focais, melhorando a resolução espacial lateral. Manipular o foco é essencial para maximizar a clareza das imagens de estruturas específicas.
- Zoom e Ampliamento de Imagem: Ferramentas que permitem ampliar uma área específica da imagem para uma análise mais detalhada. O uso de zoom é útil para examinar lesões pequenas ou estruturas anatômicas críticas com maior precisão.
- Filtros de Ruído: Funções que ajudam a eliminar artefatos e ruídos indesejados da imagem, melhorando a qualidade diagnóstica. Os filtros são especialmente úteis em ambientes clínicos movimentados ou quando se trabalha com pacientes que têm anatomia complexa.
Efeito Doppler na Ultrassonografia
O efeito Doppler é utilizado para avaliar o fluxo sanguíneo em vasos, baseando-se na mudança de frequência das ondas sonoras refletidas pelas células sanguíneas em movimento. O Doppler pode ser usado para determinar a direção e a velocidade do fluxo sanguíneo, sendo apresentado em:
- Doppler Colorido: Visualiza o fluxo sanguíneo em cores, indicando direção e velocidade. É amplamente utilizado em exames cardíacos e vasculares para identificar anomalias no fluxo sanguíneo, como estenoses ou insuficiências.
- Doppler Espectral: Fornece gráficos de velocidade em função do tempo, útil para avaliar detalhes hemodinâmicos. Este modo permite a análise quantitativa do fluxo sanguíneo, ajudando a identificar condições como tromboses e oclusões arteriais.
- Doppler Pulsado: Utilizado para medir a velocidade do fluxo sanguíneo em um ponto específico. Este modo é especialmente útil para medir a velocidade máxima do fluxo em áreas de interesse, como válvulas cardíacas ou vasos arteriais.
Efeitos Biológicos do Ultrassom
Embora o ultrassom seja amplamente seguro, ele pode ter efeitos biológicos mínimos:
- Efeitos Térmicos: Resultam do aquecimento dos tecidos devido à absorção de energia ultrassônica, mas esses efeitos são rapidamente dissipados. A segurança térmica é garantida por padrões regulatórios rigorosos e pela prática clínica cuidadosa.
- Efeitos Não Térmicos: Incluem cavitação, que é o rompimento de ligações celulares causado pela formação e vibração de microbolhas nos tecidos. A cavitação é improvável na prática clínica usual, mas é um fator a ser considerado em exposições prolongadas ou em casos de uso de alta intensidade ultrassônica.
- Segurança na Prática Clínica: Não há evidências conclusivas de danos causados pelo ultrassom diagnóstico em humanos. No entanto, é importante usar o ultrassom com moderação e sempre de acordo com as diretrizes de segurança para minimizar qualquer risco potencial.
Aplicações Clínicas Práticas da Ultrassonografia
A ultrassonografia é usada em uma ampla variedade de aplicações clínicas, incluindo:
- Avaliação Obstétrica: Monitoramento da gravidez e desenvolvimento fetal, identificação de anomalias fetais, e orientação para procedimentos obstétricos.
- Cardiologia: Avaliação da função cardíaca, detecção de anomalias valvares e estudos de fluxo sanguíneo coronário.
- Gastroenterologia: Avaliação de órgãos abdominais, como fígado, vesícula biliar, pâncreas e rins, além da detecção de massas e fluidos abdominais.
- Musculoesquelético: Avaliação de lesões de tecidos moles, como músculos, tendões e ligamentos, e orientação para procedimentos intervencionistas.
Conclusão
A ultrassonografia é uma técnica indispensável na medicina moderna devido à sua versatilidade, segurança e eficácia diagnóstica. Compreender os princípios físicos do ultrassom e as características técnicas dos diferentes tipos de transdutores, modos de apresentação e efeitos biológicos é fundamental para maximizar a precisão diagnóstica e garantir a segurança do paciente. Ao aplicar esse conhecimento, os profissionais de saúde podem utilizar a ultrassonografia de forma mais eficaz, melhorando os resultados clínicos e otimizando os cuidados ao paciente.
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